Sunday, December 17, 2006

 

Escola ciclada, que bicho é esse??

Seguindo as determinações da Secretaria de Educação do Rio de Janeiro, a partir de 2007 todas as escolas públicas municipais adotarão o sistema de organizacão por ciclos, estendidos para além do C.A. (Classe de Alfabetização) e antigas primeira e segunda séries. Isso porque o primeiro ciclo já está implementado há alguns anos, na rede escolar do RJ. Assim, a partir do próximo ano, todos os alunos do ensino fundamental estarão organizados não mais por séries, mas por períodos de 600 dias de aula, chamados de ciclos.
Cada ciclo possui um momento inicial, um intermediário e um final, cada um com 200 dias letivos. Em tese, o aluno começa a estudar no primeiro ano do primeiro ciclo com 6 anos de idade e termina o fundamental com 14 anos, vivenciando 9 anos na escola e preparando-se para seguir o ensino médio.
Nos ciclos, o aluno continua a ser preparado de acordo com o curriculo básico da Multieducação que vigora há uma década como cartilha da educação carioca.
Trata-se de uma reorganização espaço-temporal da escola, procurando adequar tal instituição a um novo tempo, ou seja, aos desafios estabelecidos pelo atual estágio da modernidade. Trata-se também de uma reorganização da escola de acordo com as perspectivas da LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, também chamada de Lei Darcy Ribeiro.
O fato é que os indicadores ligados à escola no Brasil ainda são muito insatisfatórios, tanto no que diz respeito à evasão escolar, quanto às taxas de analfabetismo (11,4%) e percentuais de crianças matriculas nas escolas (85,7%, dados segundo o IBGE em 2006).
O índice de desenvolvimento humano do nosso país é de 0,790, o que nos põe na colocação 69 do ranking mundial de qualidade de vida determinado pela ONU, bem atrás de vizinhos com Argentina, Chile ou Uruguai. Uma vez que a educação (além da renda e saúde) é um dos pilares no cálculo deste índice, faz sentido procurar novas formas de organizar a escola pública. Principalmente porque os avanços no IDH servem como garantias no custeio de financiamentos internacionais de programas sociais no nosso país.
A implantação dos ciclos está ocorrendo sob polêmica e resistência, principalmente por parte do movimento sindical e funcionários públicos, que questionam os benefícios de tal mudança. As críticas relacionam-se, dentre outros, com a questão da aprovação direta dos alunos, a (in)definição dos pontos fundamentais do currículo, a falta de infra-estrutura nas escolas para se adequar ao novo sistema, a falta de um aprofundamento no debate sobre tal, a redefinição das classes escolares e das grades de horários dos alunos e professores.
Recentemente, no final de novembro de 2006, a prefeitura promoveu encontros remunerados entre parte de seus professores, em curso de capacitação, para aprofundar o debate e algumas dessas questões.
A antropóloga Elvira de Souza Lima* tem sido peça chave na discussão do tema, entre outros especialistas. Segundo ela, "quando o professor se percebe como um indivíduo em contínua aprendizagem, ele muda a relação que tem com o saber. Ele precisa voltar a ser aluno para aprender a ensinar por outra perspectiva." E isso faz com que o educador se sinta um instrumento fundamental no processo antropológico. A professora participou de uma série de programas de TV financiados pela prefeitura, discutindo a implementação dos Ciclos nas escolas, a nova gestão escolar, o projeto político pedagógico das escolas, o currículo e as formas de avaliação, entre outros temas. Sua posição é bastante favorável à implantação dos Ciclos na paisagem de diversidade sócio-cultural presente na rede do Rio de Janeiro, a maior do país.
Para um outro professor, Bernard Charlot**, "O princípio da escola ciclada é mais justo do que o da seriada. O problema é que pode haver contradições entre esse projeto político e as práticas pedagógicas da sua implantação. Na França, temos há dez anos o sistema de ciclos e quase ninguém percebeu a mudança. Por que isso acontece? Porque muitas vezes o sistema de séries permanece camuflado nas escolas cicladas. O que temos de pensar é em que práticas pedagógicas são necessárias para concretizar efetivamente o projeto político dos ciclos".
A realidade é que o ciclo estará implantado do C.A. até a oitava série, no ano que vem. Cabe a todos nós participarmos deste debate e nos prepararmos da melhor maneira possível para os novos desafios colocados pela novidade.
(por Marcelus Silveira)
* Elvira Souza Lima é professora da Hofstra University, em Nova York, nos Estados Unidos, e da Universidade de Salamanca, na Espanha e é especilaista em desenvolvimento humano.
**Bernard Charlot é professor de Ciências da Educação na Universidade Paris VIII. Dedica-se ao estudo das relações com o saber, principalmente a relação dos alunos de classes populares com o saber escolar.
Textos Sobre o assunto:

A ESCOLARIDADE EM CICLOS: A ESCOLA SOB UMA NOVA LÓGICA
CLAUDIA DE OLIVEIRA FERNANDES, UFRJ
http://www.scielo.br/pdf/cp/v35n124/a0535124.pdf
ENTREVISTA COM ELVIRA SOUZA LIMA, REVISTA NOVA ESCOLA
http://novaescola.abril.com.br/index.htm?ed/138_dez00/html/fala_mestre
Veja também: Comunidade Ciclo...escola ciclada, no sítio de relacionamentos Orkut

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OUTRAS SUGESTÕES DE LEITURAS SOBRE CICLOS:
1. ARROYO, MIGUEL G. CICLOS DE DESENVOLVIMENTO HUMANO E FORMAÇÃO DE EDUCADORES IN EDUCAÇÃO E SOCIEDADE ANO XX N.68. DEZEMBRO DE 1999, CAMPINAS, CEDES.
2.ARROYO, MIGUEL G. EXPERIÊNCIAS DE INOVAÇÃO EDUCATIVA:O CURRÍCULO NA PRÁTICA DA ESCOLA IN MOREIRA, ANTÔNIO FLÁVIO B. CURRÍCULO:POLÍTICAS E PRÁTICAS, CAMPINAS. PAPIRUS, 1999
3.ARROYO, MIGUEL G. FRACASSO-SUCESSO:O PESO DA CULTURA ESCOLAR E DO ORDENAMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA. IN ABRAMOWICZ, A. E MOLL, J. PARA ALÉM DO FRACASSO ESCOLAR. CAMPINAS, PAPIRUS, 1997.
4. BARRETO, ELBA SIQUEIRA DE SÁ E MITRULIS, ELENY. OS CICLOS ESCOLARES:ELEMENTOS DE TRAJETÓRIA. IN CADERNOS DE PESQUISA FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, N.108, PG27/28.SP, AUTORES ASSOCIADOS, 1999.
5. FREITAS, ARLETE K. DE; ABREU, JOANA V.. REDIMENSIONANDO E SOCIALIZANDO PRÁTICAS DOCENTES:OS CICLOS DE FORMAÇÃO NO ENSINO FUNDAMENTAL. CADERNOS SMED, PORTO ALEGRE, N.12.1998
6. KRUG, ANDRÉA ROSANA F. CICLOS DE FORMAÇÃO: A PERSPECTIVA TEÓRICA DE PORTO ALEGRE, 1999. USININOS, SÃO LEOPOLDO, 1999.
7. KRUG, ANDRÉA ROSANA; ROCHA, SILVIO. BUSCANDO COMPREENDER A PROGRESSÃO NO PROCESSO AVALIATIVO DAS ESCOLAS POR CICLOS DE FORMAÇÃO. PAIXÃO DE APRENDER, PORTO ALEGRE, 1999.
8. KRUG, ANDRÉA. CICLOS DE FORMAÇÃO: UMA PROPOSTA TRANSFORMADORA. PORTO ALEGRE, MEDIAÇÃO, 2001.
9. LIMA, ELVIRA DE SOUZA. CICLOS DE FORMAÇÃO: UMA REORGANIZAÇÃO DO TEMPO ESCOLAR. SP, GEDH, 2000.
10. LIMA, ELVIRA DE SOUZA. DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM NA ESCOLA: ASPECTOS CULTURAIS, NEUROLÓGICOS E PSICOLÓGICOS. SP, GEDH, 1997.
 
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